Estrategias para salvar a Movicel

Da série telecom wars

A Movicel já foi em tempos idos um grande operador em termos de inovação e quantidade de infraestruturas e de produtos oferecidos aos seus clientes.

Este operador foi um dos primeiros em Africa a investir e a lançar uma rede 3G usando o padrão CDMA (não confundir com WCDMA). Foi também um dos primeiros operadores Africanos a lançar a sua rede 4G isto em 2014. A operadora tinha a venda bons telefones, bons pacotes de voz e dados.

A tecnologia 3G tornou-se obsoleta por causa do aparecimento das apps e da consequente modernização dos smartphones. Os usuários passaram a consumir mais e mais dados. Esta operadora precisou fazer um grande investimento para mudar do padrão CDMA e aderir aos 3gpp (vulgo GSM), já aquando da transição para o 4G. O CDMA, padrão originário do sector militar, diferenciava-se pela tecnologia segura de espalhamento espectral que possibilitava maior cobertura o que implicava menos investimentos em torres, antenas e estações de base. Era uma boa opção para uma rede de comutação em circuitos com venda de produtos de chamadas de voz e SMS. No entanto, esta tecnologia tinha outros problemas como a falta de terminais, pouca adesão de fabricantes, ausência de cartões SIM (o número era codificado no telefone), ausência de roaming, pouca adesão internacional, pouco débito binario e poucos fabricantes de estações de base. Portanto, embora em termos de estratégia, na altura a Movicel se tenha decidido ainda focar na voz e nos SMS (lembram do Geração M?) para os dados a empresa precisou de novas soluções de infraestrutura. Com a adesão ao padrão 3gpp, muito superior em termos de qualidade de dados e opções de terminais e fabricantes de estações de base a operadora precisou fazer mais investimentos na construção de torres, estações de base e centros de dados. De facto, a empresa recebeu novos accionistas e foram assim na altura investidos em 2010 cerca de 200M de $ suficientes para reforçar a rede 3G e alavancar a rede 4G que francamente, começou bastante bem até estagnar. Alguns analistas dizem que foi por causa de algumas decisões de gestão. Acrescentam que possivelmente, a operadora terá desenvolvido avultadas dívidas com operadoras de tráfego internacionais e nacionais, motivo que levou a diminuição significativa da capacidade de escoamento de tráfego e consequentemente a incapacidade de se ter um bom preço em $ por Gigabyte.

Por incrível que possa parecer, uma das accionistas, Angola Telecom, era também uma das maiores credoras da empresa em que detinha acções. Ora, se não há pagamento de dívidas, a operadora fica em standby quanto a questão dos investimentos, por causa da incapacidade de se capitalizar. Uma das condições fundamentais para a capitalização ou financiamento é o saneamento das contas, assunto que ao que se diz a Movicel precisa resolver. Obviamente que uma indecisão desta magnitude foi prejudicial para a empresa que se viu travada sem capacidade de investir na sua expansão e melhoria do sinal.

Nas redes móveis, os investimentos eram feitos de 10 a 12 anos. Hoje em dia, com o desenvolvimento de padrões desagregados e semi-desagregados como o OpenRAN e o V-RAN, pensa-se que este prazo será facilmente encurtado para entre 6 a 8 anos no máximo. Com a entrada dum novo operador no mercado nacional com tecnologia fresca e capacidade de expansão, a Movicel precisa se mexer rápido se não quiser que a sua taxa de abandono continue a crescer até a um ponto de estagnação ingente. A Movicel precisa de recapitalização urgente se não quiser desaparecer do cenário das comunicações móveis em Angola.

É certo que a empresa realizou investimentos para o rollout parcial do 4G em algumas das principais urbes, mas não é certo que a sua cobertura esteja totalmente garantida por exemplo em Luanda. A empresa tem infraestrutura pujante (torres e centros de comutação) mas precisa de garantir que o seu $ por GB custem menos ao bolso do cliente e tenham a qualidade necessária para travar a taxa de abandono (churn rate) dos seus clientes regulares. Consultando os dados do INACOM verifica-se que a taxa de abandono da Movicel revela-se assustadora senão mesmo trágica. Isto aconteceu porque os investimentos em upgrades da rede não foram realizados e as dívidas com operadores de tráfego internacional talvez ainda não estejam dirimidas. Se os usuários não possuem boa experiencia de uso, eles tendem a abandonar a rede a procura de melhor disponibilidade ainda que paguem por isso mais caro. A Movicel precisa perceber que nos tempos que correm planos rígidos de 2GB mensais e alguns Megas por dia já não correspondem a expectativa da maioria dos usuários angolanos, jovens ávidos por mais vídeos e dados com maior rapidez nas redes sociais e nas appse. Hoje em dia os negócios processam-se online em quase sua totalidade, sejam nos canais formais ou nos informais desenvolvidos nas redes sociais. Isto é dinheiro que precisa ser captado pela operadora e para capta-lo é necessário atrair oferecendo rapidez, baixa latência (atraso), segurança e preços acessíveis ao bolso do cidadão.

Possíveis soluções para a Movicel

No contexto de incerteza em que se encontra a operadora, caberão algumas soluções aos níveis de investimentos e de estratégia para ao menos tentar sobreviver no mercado e garantir retornos a estrutura accionista e aos trabalhadores.

Ao nível dos investimentos

A operadora precisa de receber imediatamente dinheiro fresco para aquisição e comissionamento de novos equipamentos, tanto para upgrade como para expansão da rede para novas zonas de cobertura e aumento da capacidade do débito binário. Estes investimentos garantirão que a operadora tenha uma rede que seja capaz de ter pelo menos o padrão 4.5G e dessa forma fazer a transição necessária para o 5G NSA. (Non Stand Alone)

Opção 1 – Investimentos do accionistas
Aqui os accionistas poderão ter mesmo de investir recorrendo aos veículos disponíveis para este fim tais como fundos ou banca de investimentos.

Opção 2 – Aumento de capital accionista
Outra das opções pode bem ser o aumento de capital por parte dum dos accionistas o que implicará a entrada de dinheiro fresco e a promessa de injecção de mais capital.

Opção 3 – Conversão da dívida em capital
Esta é uma opção bem parecida a opção 2, contudo difere-se pelo facto de se admitir a transformação de dívida em capital fresco injectado por um novo accionista antes alheio a estrutura então existente. Este é um contexto que se desenvolve se somente estiverem garantidos os mínimos de sobrevivência operacionais da empresa devedora, ou seja, a operadora é viavel do ponto de vista operacional, contudo, a sua carteira de endividamento é largamente nociva a qualquer capacidade de novos investimentos e só é suficiente para a geração do capital de giro.

É uma opção em que o Estado pode obviamente recorrer para salvar uma empresa que esteja em claro risco de incumprimento obrigacionista a nível fiscal e/ou monetário. Neste contexto isso envolveria um aumento significativo de capital que poderia inclusive ser objecto do controlo da estrutura de gestão da operadora, instrumento que ao que consta já foi até cogitado para a Movicel.

Ao nível das decisões estratégicas

Oferecer serviços de partilha de infraestrutura

A operadora já tem feito isso, por exemplo com a concorrente Africell.

Oferecer serviços verticalizados

Geração e distribuição de energia para serviços críticos de terceiros.

Oferecer serviços complementares

A operadora pode começar a vender serviços de armazenamento em nuvem, email e sms em massa, integração de apps, pacotes de apps, soluções corporativas de software em nuvem, soluções corporativas para o estado e empresas públicas, soluções de segurança em nuvem, protecção de infraestrutura de rede, serviços de localização, redes de distribuição de conteúdo (CDN) etc etc.

Programas de aceleração

A operadora pode ser pioneira em programas de aceleração e incubação de pequenos provedores municipais que usariam a infraestrutura de transporte da Movicel.

Fixed Wireless Access

A operadora poderia apostar todas as suas cartas neste tipo de acesso em zonas ditas ‘esquecidas’. Entretanto os investimentos poderiam ser um entrave. Aqui a operadora poderia contar com o apoio de outra operadora ‘amiga’.

OTT

A operadora poderia fazer diplomacia no sentido de ser a interface de pouso dum futuro investimento de cabo submarino duma OTT em Africa, hípotese díficil dado o volume de investimento necessãrio.

Entretenimento

A operadora pode posicionar-se como uma grande provedora da oferta de entretenimento, seja por meios tradicionais, mas essencialmente por meio de apps nativas e apps de posicionamento relevante nas lojas oficiais.

Há muitas opções colocadas na mesa para a Movicel. Nenhuma delas é por certo perfeita. Ao que parece o Executivo Angolano parece disposto a acelerar o desenvolvimento do ecossistema de Tecnologias de Informação em Angola. A entrada dum novo operador foi uma decisão acertada. O 5G comercial é um facto. Fala-se agora no ressurgir da Angola Telecom e do inicio do projecto de desenvolvimento da rede nacional de banda larga. Esses são todos projectos que devem beneficiar a revitalização da Movicel, uma empresa bastante necessária para manter o equilibrio de opções da rede de acesso móvel em Angola.

Um comentário sobre “Estrategias para salvar a Movicel

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